Vim de férias para descansar. Mudar a rotina e o ambiente. Ver pessoas diferentes e outras paisagens. Porém nem tudo na minha rotina é diferente. Por exemplo, a prática do karatê continua, sempre. Isso faz parte da minha rotina diária, como acordar, comer, beber. Espero que seja sempre assim, gostar da prática - além de tudo que vem acompanhado dela.
Na praia, em outra cidade tenho menos espaço para treinar. Então me inscrevo numa academia próxima da minha casa. No caso, uma excelente academia familiar com modernos aparelhos de musculação, sala de ginástica ampla e com muitos espelhos laterais e frontais. Porém sem tradição em Artes Marciais ou esportes de combate. Seria eu, treinando karatê sozinho naquela sala, um peixe fora d'água? sim e não.
Em academias todos estão com a mesma proposta. Cultivar uma boa saúde através do movimento. E isso acontece com o karatê, com a musculação e com a ginástica. Por isso, entre alguns olhos leigos e curiosos para direção da sala de ginástica, sigo praticando meus movimentos (kihon), kata e entradas de kumite.
Os leigos mantém uma distância respeitosa e eu procuro frequentar um horário onde a academia está mais vazia. Me sinto muito bem lá. Sem o olhar de outros lutadores e colegas praticantes, sem alunos para ensinar (no caso o aluno sou eu, de mim mesmo).
Durante o treino, executo várias vezes todos os heians para aquecer. Lento e com contagem, depois com velocidade e kime. Respirando. Relaxando, contraíndo e voltando a relaxar. Um kamae sem kamae. Então parto para os katas avançados. Os tais "katas de faixa preta" como diria uma pequena aluna minha chamada Carol. Repito os procedimentos dos katas Heians e começo a me sentir satisfeito com a execução. Quando de repente o "kata" me chama a atenção: estou errado! Como assim? errado? estou errando? onde?
E começo a contagem dos Kyodos (movimentos). E a contagem está errada! Ou estou errando na contagem ou no número de movimentos. E estava errando na contagem. Acertar a contagem me faz ter uma consciência maior de cada movimento e da sua singular importância. Repito do início e começo a acertar os detalhes.
Então outro insight (ou Satori, em japonês): dentro dos katas avançados, por mais avançado que você se considere, lá estão os movimentos básicos dos Heians e do Kihon. Lá estão bem marcados os gedan-barai, age-uke, shuto-uke, maegeri entre outros. Esses detalhes nos katas avançados podem significar muitas coisas. Meu mestre, Malheiros Sensei fala sobre a "literatura" contida dentro dos katas. Um forma dos grandes mestres se comunicarem conosco através dos tempos.
Acredito que no karatê somos sempre iniciantes. Somos sempre dependentes dos fundamentos básicos na prática. E na vida também. No dojo do Alfredo Sensei, meu outro mestre, existe um quadro que diz: "- mantenha o espírito de principiante."
Quando somos avançados fora do dojo, mais maduros e ricos, bem sucedidos profissionalmente e tal temos uma tendência a esquecer o que passamos e de onde viemos. Temos uma leve tendência a esquecer os detalhes como cortesia, respeito, educação e amor verdadeiro ao próximo. Só que na vida não somos levados a lembrar sempre disso - principalmente quando achamos que estamos no topo.
Quando acontece da vida nos chamar a atenção, pode ser de forma trágica. Nos katas isso acontece de forma natural. E temos que valorizar esses detalhes que fazem parte da nossa formação como karateka e como seres sociais.
Como diria Malheiros Sensei (meu professor): "- Pequenos detalhes, grandes consequências".
Oss
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