Karatê-dô for Kids
Sou instrutor de karatê-dô para crianças e adultos. Sempre que preparo uma aula para as crianças, procuro trabalhar aspectos lúdicos, de exercícios, brincadeiras e técnicas onde serão envolvidos musculaturas, equilíbrio, força, explosão, percepção espacial entre outros. Tenho um enorme prazer em me envolver com as crianças através do karatê, que é um poderosa ferramenta de comunicação com as crianças.
Me impressiono com o avanço dos pequenos durante os meses. Avanços físicos, mentais e psicológicos. Uma criança é uma esponja para absorver conhecimento, com potencial ilimitado. Alguns tem mais facilidade de praticar o karatê e enfrentar seus desafios e outros passam por dificuldades.
A minha proposta inicial com as crianças é desenvolver a auto-confiança, produzir nelas a certeza que se elas se "esforçarem" com disciplina podem conseguir tudo na vida.
Ajuda pode existir, porém sem esforço pessoal das mesmas, não haverá retorno na prática, ou na vida.
Procuro não me apegar a alunos, o que com as crianças é uma tarefa um tanto difícil. Já tive alunos que por uma razão ou outra pararam de treinar. Geralmente por falta de vontade dos pais em leva-los ou de tira-los do mundinho de proteção que se cria ao redor de algumas crianças. Sinto a perda, pois as aulas são preparadas para todos, ainda assim, visando trabalhar a dificuldade de um pequeno indivíduo sem constrange-lo perante os demais. Me sinto responsável por eles e não fujo dessa tarefa, pois cabe ao professor de karatê "auxiliar " na educação do pequeno, então sinto quando um trabalho se interrompe com aquele potencial em formação da uma criança.
Realmente o karatê não é para as massas, é para poucos.
Ainda assim sou feliz porque tenho aprendido muito com os pequenos, enxergo o crescimento pessoal e retorno fora do dojo em aspectos que dificilmente poderíamos trabalhar em outras atividades. É o que chamamos de "karatê terapia" onde o físico e a mente são trabalhados em conjunto, visando o fortalecimento do aluno.
Uma dessas pequenas surpresas foi com uma aluna de 5 anos. Ela tinha problemas respiratórios (asma) e está com a personalidade em formação. Teve uma imensa dificuldades nas primeiras aulas, pois mal conseguia respirar, um linda e frágil menina entrando num universo novo onde seria exigida justamente na sua maior fraqueza. Um enfrentamento difícil para um adulto, imagine para uma criança e ainda mais menina (pois poderia optar por simplesmente brincar de bonecas). Lá estava ela, a pequena guerreira.
A cada aula era uma conquista. A cada aula procurava desenvolver nela sua energia interior (Ki) para fortalece-la e aumentar sua independência da asma. Por vezes, pensava que ela iria desistir, algumas vezes senti que ela iria chorar por algum acidente ou por não poder participar de todas as brincadeiras e atividades. Se eu pudesse, choraria junto. Porém o choro não é uma opção para lutadores.
Pois bem, após alguns árduos meses ela superou o problema respiratório, corria melhor e mais rápido que os outros e executava as técnicas com firmeza e concentração. Certa vez, fui fazer um frente a frente com ela pois faltava um aluno. Ambos em kamae, eu no alto dos meus 1,80 m com 93 kg e ela com os seus 4 para 5 anos, pequena altura e peso. Ela parou na minha frente, em postura de kamae, olhou nos meus olhos e não tirou os olhos de mim, nem piscava. Não estava com medo, tampouco demonstrava nenhum esboço de fraqueza. Me atacou como deveria, no tempo certo, com kime e vontade de um adulto. Mostrou que era capaz, não para mim porém para si mesma. Estava pronta.
Após um tempo ela fez exame de faixa onde foi excelente. Passou com 5 anos para faixa amarela, a faixa da cor do ouro. No primeiro dia de aula após o exame, ela chegou no dojo e pediu para fazer o kata Heian Nidan (o kata de faixa amarela para laranja). Eu disse para ela que era cedo, pois não havia ensinado o mesmo para ela. Ela insistiu. Fiquei intrigado e conversei com o pai dela, também karateka e também responsável por tanto sucesso com a menina karateka. Ele disse-me que após o exame ela começou a treinar sozinha através de desenhos que havia visto na sua apostila e imagens de livros.
Bom, então pedi para ela me demonstrar o kata até onde ela sabia. Eis que aquela antes frágil figura começou o kata com maestria, cumprimentando e anunciando o kata e executando movimento por movimento chegando ao final sem pestanejar, com alguns pequenos erros, porém no conjunto de forma correta. Supresa total!
Lembrei do meu mestre quando me falou a um bom tempo atrás, eu estava em dúvida sobre dar aulas ou não, então ele me disse:
" - as vezes a gente escolhe o Caminho*, as vezes é o Caminho que nos escolhe."
Pois bem, o Caminho havia escolhido mais uma pessoa, minha menor - e anteriormente - mais frágil aluna. Aprendemos todos a cada aula, com a certeza que o karatê vai além do dojo, vai além da técnica e vai além das nossas fraquezas físicas ou psíquicas. E a cada criança que trabalho, em cada novo pequeno aluno se renova a felicidade de estar fazendo a coisa certa.
Oss.
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* Sobre Caminho, temos o entendimento que este está baseado no Budô. Saiba mais no link: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bud%C3%B4
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