“Verbo “spar” ou seu gerúndio “sparring” são termos usados quando lutamos mais com sentido de treino, exibição ou, mesmo, puro divertimento. Usamos o verbo “boxear”, quando lutamos pra valer.”
“Substantivo sparring, para denominar um colega que tenha estilo semelhante ao do nosso próximo adversário e que se dispõe a ajudar nosso preparo, fazendo lutas de treinamento conosco.”
Parece simples o conceito de sparring; porém, após alguma reflexão e muitos anos de treinamento, deparei-me com o múltiplo sentido dessa palavra. Isso foi possível, em decorrência do aprendizado intuitivo, produzido ao mesmo tempo em que dou aulas de karatê-dô. Nesse sentido, fico grato aos meus alunos, por proporem esses desafios no nosso Caminho (Budô).
Esse insight surgiu durante algumas aulas, em que praticávamos técnicas de luta e, posteriormente, fazíamos a luta em si, e eu não conseguia fazê-los aliviar a força e a excitação, pelo combate. Pedia que começassem com menos intensidade e procurassem colaborar com o colega, o que não acontecia. Após alguns machucados e contratempos, tivemos uma conversa. Procurei explicar a intenção do treinamento e a necessidade de oferecer o auxílio ao colega, no treinamento. Ou seja: ser um bom sparring.
Um das dificuldades em ser um bom sparring é a insegurança. Óbvio que ninguém gosta de perder ou se sujeitar à derrota (ainda que de forma ficcional); entretanto, o praticante que está sendo sparring está simulando essa situação. E para qual finalidade? Para proporcionar o desenvolvimento do colega, nas suas técnicas. A questão, porém, é que o sparring também se desenvolve enquanto é o “alvo” do colega. Ele também aprende a noção de distância (maai), de tempo certo (deai) e de vários itens técnicos envolvidos no combate. A posição do olhar, a movimentação do corpo, a postura, a concentração e o espírito (zanchin) estão sendo trabalhados pelo sparring, e isso é um treinamento intenso.
Podemos transferir essa questão para a nossa vida, porque as pessoas também resistem às ideias, às mudanças e, mesmo, ao afeto. Quantos relacionamentos são destruídos, onde o casal tem coisas em comum (e até amor), porém ambos jogam um “antijogo”, não sendo bons “sparrings”, um para o outro? Não cedem em suas vontades, em suas idiossincrasias, em suas opiniões, causando um mal-estar ou, pior, magoando o parceiro.
Esse simples conceito do universo das lutas se aplica diretamente na nossa vida. Ser um bom sparring cria uma mágica para o próximo. Abre caminhos, gera cortesia, trabalha no auxílio de possibilidade em fazer algo e “poder” fazê-lo melhor. Cria confiança no próximo, rompe as barreiras e promove o crescimento pessoal.
Ser um bom sparring é ótimo! E por que temos dificuldades em agir assim? Pela falsa noção de controle que queremos ter. Quando criamos dificuldades para o próximo, estamos tentando controlar o que deveria fluir naturalmente. Nem tudo ao nosso redor deve ser manipulado ou, necessariamente, é nossa responsabilidade. As ações e reações das pessoas que amamos, por vezes, não têm lógica alguma! São frutos de coisas que sequer imaginamos, de vivências e má interpretação de um passado que não pode ser mais modificado.
Por fim, ser um bom sparring é um ato de caridade. Muitos podem confundir caridade com dar algo a alguém que é mais pobre; todavia, o significado dessa palavra vai além. Ser caridoso também significa benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições alheias. E, com isso, trabalhamos o ego.
Livrando-nos do ego, recorremos à humildade e as coisas fluem melhor. Em japonês, isso pode se manifestar como Nyuanshin (coração dócil, mente receptiva), que também significa certa flexibilidade de espírito, que ateste sua disposição em aceitar as coisas tais como são apresentadas. Se você adotar esse tipo de conduta, na prática, adquirirá a característica da humildade e beneficiará as pessoas e a sociedade da qual você faz parte. A ausência dessa característica denota orgulho e ego, os elementos que conduzem à fricção mental e que constituem um obstáculo ao desenvolvimento espiritual.
Ser um bom sparring é ser flexível com o próximo e consigo, é adaptar-se e desafiar-se, buscando o desenvolvimento. Isso, nas Artes Marciais ou na vida. Oss
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