quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
A mágica de ser um bom Sparring, nas lutas e na vida.
Volto a escrever, após um tempo de ausência do blog e com alguns novos temas definidos. Muitos deles, como este que apresento, estavam “na gaveta”. Felizmente organizei meu tempo e as ideias, para voltar a escrever. Sparring é uma palavra inglesa, muito utilizada nas Artes Marciais; entretanto, sua origem é do Boxe. Trata-se de uma pequena e estranha palavra, que diz muito sobre um comportamento:
“Verbo “spar” ou seu gerúndio “sparring” são termos usados quando lutamos mais com sentido de treino, exibição ou, mesmo, puro divertimento. Usamos o verbo “boxear”, quando lutamos pra valer.”
“Substantivo sparring, para denominar um colega que tenha estilo semelhante ao do nosso próximo adversário e que se dispõe a ajudar nosso preparo, fazendo lutas de treinamento conosco.”
Então, por que o sparring (ou o outro) tenta resistir à aplicação de uma técnica ou cria dificuldade, em excesso, para o colega? Por que não ceder e colaborar com a evolução de ambos?
Podemos transferir essa questão para a nossa vida, porque as pessoas também resistem às ideias, às mudanças e, mesmo, ao afeto. Quantos relacionamentos são destruídos, onde o casal tem coisas em comum (e até amor), porém ambos jogam um “antijogo”, não sendo bons “sparrings”, um para o outro? Não cedem em suas vontades, em suas idiossincrasias, em suas opiniões, causando um mal-estar ou, pior, magoando o parceiro.
E por que temos dificuldades em agir assim? Pela falsa noção de controle que queremos ter. Quando criamos dificuldades para o próximo, estamos tentando controlar o que deveria fluir naturalmente. Nem tudo ao nosso redor deve ser manipulado ou, necessariamente, é nossa responsabilidade. As ações e reações das pessoas que amamos, por vezes, não têm lógica alguma! São frutos de coisas que sequer imaginamos, de vivências e má interpretação de um passado que não pode ser mais modificado.
Nas Artes Marciais, ceder o controle não significa perder o controle. Significa interagir, de forma dinâmica, com o ambiente e extrair a maior energia, com o mínimo de esforço, contração muscular (e espiritual) possível. Significa esvaziar a mente de medo, orgulho ou de angústias. Isso também pode ser chamado de “Mushin” (fig. ao lado - mente vazia, mente livre), um estado mental que possibilita agir sem hesitar, quando necessário. Esse jogo de controle e não-controle faz parte da formação de um lutador. Para chegar ao ponto de deixar fluir as ações, o praticante deve estar seguro da sua técnica e almejar um bom resultado.
Por fim, ser um bom sparring é um ato de caridade. Muitos podem confundir caridade com dar algo a alguém que é mais pobre; todavia, o significado dessa palavra vai além. Ser caridoso também significa benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições alheias. E, com isso, trabalhamos o ego.
Livrando-nos do ego, recorremos à humildade e as coisas fluem melhor. Em japonês, isso pode se manifestar como Nyuanshin (coração dócil, mente receptiva), que também significa certa flexibilidade de espírito, que ateste sua disposição em aceitar as coisas tais como são apresentadas. Se você adotar esse tipo de conduta, na prática, adquirirá a característica da humildade e beneficiará as pessoas e a sociedade da qual você faz parte. A ausência dessa característica denota orgulho e ego, os elementos que conduzem à fricção mental e que constituem um obstáculo ao desenvolvimento espiritual.
Ser um bom sparring é ser flexível com o próximo e consigo, é adaptar-se e desafiar-se, buscando o desenvolvimento. Isso, nas Artes Marciais ou na vida. Oss
“Verbo “spar” ou seu gerúndio “sparring” são termos usados quando lutamos mais com sentido de treino, exibição ou, mesmo, puro divertimento. Usamos o verbo “boxear”, quando lutamos pra valer.”
“Substantivo sparring, para denominar um colega que tenha estilo semelhante ao do nosso próximo adversário e que se dispõe a ajudar nosso preparo, fazendo lutas de treinamento conosco.”
Parece simples o conceito de sparring; porém, após alguma reflexão e muitos anos de treinamento, deparei-me com o múltiplo sentido dessa palavra. Isso foi possível, em decorrência do aprendizado intuitivo, produzido ao mesmo tempo em que dou aulas de karatê-dô. Nesse sentido, fico grato aos meus alunos, por proporem esses desafios no nosso Caminho (Budô).
Esse insight surgiu durante algumas aulas, em que praticávamos técnicas de luta e, posteriormente, fazíamos a luta em si, e eu não conseguia fazê-los aliviar a força e a excitação, pelo combate. Pedia que começassem com menos intensidade e procurassem colaborar com o colega, o que não acontecia. Após alguns machucados e contratempos, tivemos uma conversa. Procurei explicar a intenção do treinamento e a necessidade de oferecer o auxílio ao colega, no treinamento. Ou seja: ser um bom sparring.
Um das dificuldades em ser um bom sparring é a insegurança. Óbvio que ninguém gosta de perder ou se sujeitar à derrota (ainda que de forma ficcional); entretanto, o praticante que está sendo sparring está simulando essa situação. E para qual finalidade? Para proporcionar o desenvolvimento do colega, nas suas técnicas. A questão, porém, é que o sparring também se desenvolve enquanto é o “alvo” do colega. Ele também aprende a noção de distância (maai), de tempo certo (deai) e de vários itens técnicos envolvidos no combate. A posição do olhar, a movimentação do corpo, a postura, a concentração e o espírito (zanchin) estão sendo trabalhados pelo sparring, e isso é um treinamento intenso.
Podemos transferir essa questão para a nossa vida, porque as pessoas também resistem às ideias, às mudanças e, mesmo, ao afeto. Quantos relacionamentos são destruídos, onde o casal tem coisas em comum (e até amor), porém ambos jogam um “antijogo”, não sendo bons “sparrings”, um para o outro? Não cedem em suas vontades, em suas idiossincrasias, em suas opiniões, causando um mal-estar ou, pior, magoando o parceiro.
Esse simples conceito do universo das lutas se aplica diretamente na nossa vida. Ser um bom sparring cria uma mágica para o próximo. Abre caminhos, gera cortesia, trabalha no auxílio de possibilidade em fazer algo e “poder” fazê-lo melhor. Cria confiança no próximo, rompe as barreiras e promove o crescimento pessoal.
Ser um bom sparring é ótimo! E por que temos dificuldades em agir assim? Pela falsa noção de controle que queremos ter. Quando criamos dificuldades para o próximo, estamos tentando controlar o que deveria fluir naturalmente. Nem tudo ao nosso redor deve ser manipulado ou, necessariamente, é nossa responsabilidade. As ações e reações das pessoas que amamos, por vezes, não têm lógica alguma! São frutos de coisas que sequer imaginamos, de vivências e má interpretação de um passado que não pode ser mais modificado.
Por fim, ser um bom sparring é um ato de caridade. Muitos podem confundir caridade com dar algo a alguém que é mais pobre; todavia, o significado dessa palavra vai além. Ser caridoso também significa benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições alheias. E, com isso, trabalhamos o ego.
Livrando-nos do ego, recorremos à humildade e as coisas fluem melhor. Em japonês, isso pode se manifestar como Nyuanshin (coração dócil, mente receptiva), que também significa certa flexibilidade de espírito, que ateste sua disposição em aceitar as coisas tais como são apresentadas. Se você adotar esse tipo de conduta, na prática, adquirirá a característica da humildade e beneficiará as pessoas e a sociedade da qual você faz parte. A ausência dessa característica denota orgulho e ego, os elementos que conduzem à fricção mental e que constituem um obstáculo ao desenvolvimento espiritual.
Ser um bom sparring é ser flexível com o próximo e consigo, é adaptar-se e desafiar-se, buscando o desenvolvimento. Isso, nas Artes Marciais ou na vida. Oss
A Arte Marcial e a Educação
É necessário conhecer intelectualmente o que é bom e o que é ruim. Também é necessário desenvolver a inteligência para distinguir o certo do errado em várias situações complexas.
Assim, é necessário ensinar a pessoa a distinguir o bom do ruim, diferenciar o que é certo e o que é errado.
A educação moral deve ser trabalhada no aspecto das emoções. Mesmo que, intelectualmente, você saiba distinguir o certo do errado, se não for treinado emocionalmente para gostar do que é bom e evitar o que é ruim, sua capacidade de fazer o bem e de rejeitar o ruim será deficiente.
Se a moral não for cultivada intelectual e emocionalmente, não se chegará a bons resultados.
Além disso, mesmo que você tente fazer o bem e rejeitar o mal, se a sua força de vontade for fraca, ocorrerá muitas vezes o oposto. Assim, o treinamento da força de vontade deve fazer parte da educação moral – uma força de vontade fraca pode resultar na incapacidade de fazer o que você considera correto ou de evitar algo que você sabe que é errado.
Também é importante lembrar-se do hábito.
Mesmo que você tenha intenção de fazer o bem, se não desenvolveu esse hábito, suas melhores intenções podem facilmente se desvirtuar. E mesmo as melhores intenções de rejeitar o mal podem falhar se você não desenvolveu o hábito de fazer isso. Por essa razão, você deve procurar cultivar bons hábitos, amar o que é bom e rejeitar o mal diariamente.
Extraído do livro "Energia Mental e Física" de Jigoro Kano (fundador do Judô).
Saiba mais em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jigoro_Kano
Jardim Zen
Inspirado na antiga lenda de um samurai, o jardim japonês virou significado de equilíbrio e harmonia, tanto no Oriente quanto no Ocidente. A história que teve origem no Japão e foi difundido mundo a fora é a seguinte: um jovem samurai resolveu abandonar a escola e seguir o caminho do mal. Seu mestre tentou fazê-lo mudar de idéia e, sem sucesso, foi obrigado a desafiá-lo em uma luta: era sua missão.
A experiência e equilíbrio do mestre foram decisivos para vencer o duelo e matar o jovem.Quando chegou a notícia da morte do aluno na escola, houve uma comemoração em massa, que foi interrompida pelo vencedor da luta. Indignado, o mestre ordenou que todos os alunos preparassem o jardim da casa do samurai, em homenagem ao ex-aluno. O trabalho foi realizado com ferramentas rústicas, e as pedras, utilizadas em número ímpar, foram deslocadas com a força dos braços.Para os japoneses, estas pedras significam as adversidades e o respeito. A idéia foi transportada para uma caixa, onde o "jardineiro" pode exercitar seu equilíbrio e refletir. A reflexão sobre os nossos atos, sobre a nossa prática e consequências das mesmas é uma constante busca pelo equilíbrio. .
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Assista abaixo a entrevista com Mestre Tokuda, sobre o Zen Budismo e Artes Marciais:
A experiência e equilíbrio do mestre foram decisivos para vencer o duelo e matar o jovem.Quando chegou a notícia da morte do aluno na escola, houve uma comemoração em massa, que foi interrompida pelo vencedor da luta. Indignado, o mestre ordenou que todos os alunos preparassem o jardim da casa do samurai, em homenagem ao ex-aluno. O trabalho foi realizado com ferramentas rústicas, e as pedras, utilizadas em número ímpar, foram deslocadas com a força dos braços.Para os japoneses, estas pedras significam as adversidades e o respeito. A idéia foi transportada para uma caixa, onde o "jardineiro" pode exercitar seu equilíbrio e refletir. A reflexão sobre os nossos atos, sobre a nossa prática e consequências das mesmas é uma constante busca pelo equilíbrio. .
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Assista abaixo a entrevista com Mestre Tokuda, sobre o Zen Budismo e Artes Marciais:
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O Caminho da Verdade.
Artes Marciais são para poucos. Karatê-dô é para menos gente ainda. Nossa atividade nunca será para as massas, nunca terá abrangência como esportes coletivos e de formato Olímpico. Ainda que um dia o Karatê-dô possa ser olímpico e comparar-se com alguns esportes (o que seria maléfico a Arte Marcial Karatê) o mesmo não tem uma quantidade surpreendente de praticantes. São alguns poucos milhões de privilegiados, ao redor do globo.
E porque é assim?
O Karatê-dô já foi testado como Arte de combate por praticantes em guerras (Japão na II Guerra Mundial, ilha de Okinawa contra piratas, etc), já foi (e continua sendo) testado como esporte até os dias de hoje por diversas federações. Já foi inclusive transformado em atividade aeróbica com músicas e coreografias para queimar calorias.
Quando uma pessoa se propõe a treinar karatê-dô ela terá contato com uma realidade diferente, um novo ambiente. A começar pela roupa, um kimono branco e uma faixa branca. Aquelas vestimentas significam pureza de espírito do praticante, disciplina e uniformidade entre os colegas. Nesse momento o cérebro e costumes do novo praticante começam a ser trabalhados. O mesmo terá que ter humildade para aceitar outras roupas e irá se despir de armaduras psicológicas modernas como: moda, celular, chaves, adereços. Será apenas ele (ou ela) e um kimono branco.
Já na prática o individuo irá se deparar com a verdade sobre o seu corpo: a falta de coordenação inicial, o desequilíbrio, o descontrole na respiração, a falta de força e flexibilidade, a vergonha perante os outros, a contração muscular excessiva entre outros fatores irão aparecer como desafios a serem vencidos pelo iniciante. Somente alguém com muita persistência e humildade poderá seguir enfrentado suas fraquezas em busca de uma evolução física nesses aspectos. Até aqui nada de novo, pois as mesmas sensações podem ser sentidas em outras atividades esportivas.
Então onde o Karatê se diferencia?
No intenção do combate. Toda a preparação física e adaptação a um novo meio se justifica, pelo combate. E esse é interno e externo. Quando um praticante repete dezenas de vezes um movimento até o mesmo ficar natural ao seu corpo e cérebro, poderá aplicar com convicção na hora da luta. Quando o praticante recebe pancadas no treino e sai com hematomas, ficará mais forte para uma futura pancada. Quando o praticante perde um combate ficará mais humildade e terá a oportunidade de aprender a tirar pequenas vitórias, mesmo na derrota (ensinamento de Malheiros Sensei).
Na última aula que tive com meu mestre (Malheiros Sensei) um iniciante perguntou para ele se a técnica explicada e que estávamos treinados não seria arriscada, no caso de um contra-ataque. Meu mestre respondeu: “- desde que nascemos estamos correndo riscos. Ainda no útero materno estamos expostos a riscos. Cabe a nós enfrentá-los.”
Se o Caminho do Karatê te revela coisas caberá a cada um usar essa força interna para promover as mudanças necessárias na sua vida. Muitos desistem do treino, pois a verdade sobre si mesmo é, muitas vezes, dolorosa. Quando você enxerga a verdade sobre a sua condição, fica difícil não tomar uma atitude. E isso o Karatê proporciona: a Verdade sobre você.
Isso foi bem mostrado na série de filmes “Matrix” onde foi oferecido ao personagem principal Neo uma pílula azul e outra vermelha. Tomando a azul, Neo voltará à sua ilusória e superficial vida; se optar pela pílula vermelha, conhecerá a verdade que está por detrás do mundo que julga ser real. Neo arrisca e opta pela pílula vermelha, conhecendo, finalmente, a complexa verdade por detrás do seu mundo de aparências. A partir deste simples enunciado entre a dicotomia do mundo real e do mundo ilusório ou aparente, levantam-se muitas leituras filosóficas e religiosas. Estas pílulas representam, também, uma metáfora da condição humana: o homem que se resigna de forma dogmática e aceita passivamente tudo o que existe à sua volta ou o homem que deseja libertar-se e conhecer a verdade absoluta das coisas e o acesso ao conhecimento?
O mesmo acontece em histórias como “Alice no País das Maravilhas” e na famosa “Alegoria da Caverna” do filósofo Platão. Conheço inúmeros praticantes que quando começaram a enxergar essa faceta do Karatê, se distanciaram do mesmo. E em outros momentos, voltaram a treinar, quem sabe para experimentar mais um pouco sobre eles mesmos, porém sem nunca concluir e evoluir totalmente na prática. Existem mil atividades físicas, mesmo formas falsas e picaretas de Artes Marciais, que não irão te direcionar ao Caminho da verdade.
Cada indivíduo tem a sua forma de ver o mundo. A sua maneira, cada um acredita em algo. Não sou contra as pessoas viverem mentiras sobre si mesmas, entretanto sou a favor das mesmas buscarem todas as opções, verdadeiras ou falsas. Quando alguém escolhe o seu Caminho, que o faça de forma consciente (e com convicção) e que seja feliz.
Eu já fiz a minha escolha, e você?
E porque é assim?
O Karatê-dô já foi testado como Arte de combate por praticantes em guerras (Japão na II Guerra Mundial, ilha de Okinawa contra piratas, etc), já foi (e continua sendo) testado como esporte até os dias de hoje por diversas federações. Já foi inclusive transformado em atividade aeróbica com músicas e coreografias para queimar calorias.
De todas as formas de Karatê que existem no mundo afora acredito no Karatê como Arte Marcial pura, ou seja, defesa pessoal. Essa forma de Karatê é o que meu mestre e eu chamamos (e acreditamos) ser o futuro da nossa arte e que leva a algo maior: o Karatê como Terapia.
Quando uma pessoa se propõe a treinar karatê-dô ela terá contato com uma realidade diferente, um novo ambiente. A começar pela roupa, um kimono branco e uma faixa branca. Aquelas vestimentas significam pureza de espírito do praticante, disciplina e uniformidade entre os colegas. Nesse momento o cérebro e costumes do novo praticante começam a ser trabalhados. O mesmo terá que ter humildade para aceitar outras roupas e irá se despir de armaduras psicológicas modernas como: moda, celular, chaves, adereços. Será apenas ele (ou ela) e um kimono branco.
Já na prática o individuo irá se deparar com a verdade sobre o seu corpo: a falta de coordenação inicial, o desequilíbrio, o descontrole na respiração, a falta de força e flexibilidade, a vergonha perante os outros, a contração muscular excessiva entre outros fatores irão aparecer como desafios a serem vencidos pelo iniciante. Somente alguém com muita persistência e humildade poderá seguir enfrentado suas fraquezas em busca de uma evolução física nesses aspectos. Até aqui nada de novo, pois as mesmas sensações podem ser sentidas em outras atividades esportivas.
Então onde o Karatê se diferencia?
No intenção do combate. Toda a preparação física e adaptação a um novo meio se justifica, pelo combate. E esse é interno e externo. Quando um praticante repete dezenas de vezes um movimento até o mesmo ficar natural ao seu corpo e cérebro, poderá aplicar com convicção na hora da luta. Quando o praticante recebe pancadas no treino e sai com hematomas, ficará mais forte para uma futura pancada. Quando o praticante perde um combate ficará mais humildade e terá a oportunidade de aprender a tirar pequenas vitórias, mesmo na derrota (ensinamento de Malheiros Sensei).
No kumite (e dojo) o praticante é levado a outro patamar. Ele não poderá fingir que não tem medo, orgulho, raiva, ansiedade, calma, receio e coragem. É uma situação que atavicamente provoca a sensação de vida ou morte ao praticante sério e dedicado. No caso, se ele for acertado muitas vezes e não conseguir se defender seria como se estivesse morto, na natureza. E se alguém não consegue se proteger perante um agressor - como irá viver? Com medo de tudo e todos. Achar-se-á um fraco, com uma baixa estima. Nesse ponto é que o karatê-dô terapia entra. Lidando com nossas fraquezas e orgulhos. Lidando com a nossa estima. Encarando quem realmente é e oportunizando revelações (ou insights, como é chamado na psicanálise – Satori, no budismo) sobre nós mesmos. Tenho notado isso na minha prática, em colegas e alunos as mudanças que a prática de karatê-dô proporciona.
Não há como fugir de mudanças consideráveis na sua vida quando você pratica essa Arte Marcial.
Sua auto-estima melhora sua forma de perceber o mundo ao seu redor se modifica e a sua mente e espírito te mostram Caminhos que você não conseguia ver antes.
Sua mente vai deixando o lixo para trás e esvaziando-se, seu espírito fica mais forte assim como o seu corpo. Você não precisa mais lidar com tantas inseguranças e percebe que se você se esforçar, irá conseguir o que precisa. Ora, no Karatê temos que repetir movimentos dezenas de vezes, por vezes, até centenas de vezes visando atingir uma forma adequada. O suor, sacrifício, dor, angústia, choro, alegria, sangue e hematomas se justificam na sua evolução e demonstram que se você faz isso no dojo, poderá fazer o mesmo na vida. Cair e levantar, e melhorar. Persistir.
Na última aula que tive com meu mestre (Malheiros Sensei) um iniciante perguntou para ele se a técnica explicada e que estávamos treinados não seria arriscada, no caso de um contra-ataque. Meu mestre respondeu: “- desde que nascemos estamos correndo riscos. Ainda no útero materno estamos expostos a riscos. Cabe a nós enfrentá-los.”
Se o Caminho do Karatê te revela coisas caberá a cada um usar essa força interna para promover as mudanças necessárias na sua vida. Muitos desistem do treino, pois a verdade sobre si mesmo é, muitas vezes, dolorosa. Quando você enxerga a verdade sobre a sua condição, fica difícil não tomar uma atitude. E isso o Karatê proporciona: a Verdade sobre você.
Isso foi bem mostrado na série de filmes “Matrix” onde foi oferecido ao personagem principal Neo uma pílula azul e outra vermelha. Tomando a azul, Neo voltará à sua ilusória e superficial vida; se optar pela pílula vermelha, conhecerá a verdade que está por detrás do mundo que julga ser real. Neo arrisca e opta pela pílula vermelha, conhecendo, finalmente, a complexa verdade por detrás do seu mundo de aparências. A partir deste simples enunciado entre a dicotomia do mundo real e do mundo ilusório ou aparente, levantam-se muitas leituras filosóficas e religiosas. Estas pílulas representam, também, uma metáfora da condição humana: o homem que se resigna de forma dogmática e aceita passivamente tudo o que existe à sua volta ou o homem que deseja libertar-se e conhecer a verdade absoluta das coisas e o acesso ao conhecimento?
O mesmo acontece em histórias como “Alice no País das Maravilhas” e na famosa “Alegoria da Caverna” do filósofo Platão. Conheço inúmeros praticantes que quando começaram a enxergar essa faceta do Karatê, se distanciaram do mesmo. E em outros momentos, voltaram a treinar, quem sabe para experimentar mais um pouco sobre eles mesmos, porém sem nunca concluir e evoluir totalmente na prática. Existem mil atividades físicas, mesmo formas falsas e picaretas de Artes Marciais, que não irão te direcionar ao Caminho da verdade.
Cada indivíduo tem a sua forma de ver o mundo. A sua maneira, cada um acredita em algo. Não sou contra as pessoas viverem mentiras sobre si mesmas, entretanto sou a favor das mesmas buscarem todas as opções, verdadeiras ou falsas. Quando alguém escolhe o seu Caminho, que o faça de forma consciente (e com convicção) e que seja feliz.
Eu já fiz a minha escolha, e você?
O verdadeiro Mestre
Gosto de afirmar que sou um cara de sorte. De certa maneira, todos somos. O universo nos premia diariamente com elementos que as vezes não percebemos, ou não valorizamos. Na pressa do dia a dia deixamos passar muita coisa boa da nossa vida. Claro, existem as dificuldades porém elas promovem algo, uma mudança ou experiência necessária para o nosso crescimento.
Eu tenho a sorte de ter encontrado um mestre de karatê-dô que sempre me ensina detalhes significativos da Arte Marcial e que consegue fazer a relação da nossa arte com a vida. Além disso, com a sua experiência, passa valorosos conselhos sobre relações, vida, amadurecimento entre outros. Realmente tenho muita sorte.
Já tive muitas dúvidas desde que comecei a dar aulas de karatê-dô e pude recorrer ao meu mestre. Geralmente dúvidas técnicas, pedagógicas e de relacionamento. E tenho um texto guardado, com muito carinho, que sempre que me questiono, reviso. É uma referência, entre muitas que tenho do meu mestre. Vou tomar a liberdade de compartilha-lo com vocês, espero que gostem e entendam. Oss.
" Nossa missão é mostrar o “Caminho”. Eles serão melhores ou piores em razão do que efetivamente são. Mas isso não importa, pois ser melhor ou pior pode ficar resumido somente a uma questão meramente técnica ou estética, o que significa muito pouco. O que verdadeiramente importa é a formação do ser humano e do cidadão. Não faz diferença que ele não conseguir ou não souber chutar acima da canela. Alguns, por vantagem genética, poderão executar a técnica, outros não. Deverás ter mais dedicação para com aqueles que têm dificuldades, mas ainda assim persistem. Esses são mais valiosos. Não deves deixar-te envolver em demasia pelos que fazem com facilidade. Significaria um envolvimento superficial, apenas estético ou técnico. É muito pouco. Preocupa-te e exige daqueles que querem ser exigidos. Eles poderão até reagir, mas no futuro serão gratos. Jamais exija mais do que alguém pode dar, pois serás o derrotado pela incapacidade do outro. Terás que intuir o limite de cada um. Mas também não exija menos. Diga-lhes que o treinamento deve ser duro, porque estão sendo preparados para a vida, que é dura. E diga-lhes que não estás muito preocupado com o resultado técnico, apenas secundariamente. Teu propósito será sempre aquilo que ficar gravado na alma de cada um."
Sensei Fernando Malheiros Filho
A Solidão do Treinamento Físico.
Sou um esportista por natureza. Sempre fui agitado e praticar atividades físicas me possibilita aplacar essa agitação. Dou graças às iniciativas dos meus pais, que começaram me estimulando através do meu primeiro esporte, a natação e depois no Judô e finalmente, por iniciativa própria, o Karate-do. Certamente o corpo humano foi desenhado para o movimento. Uns tempos atrás o famoso e coerente Dr. Dráuzio Varella comentou numa entrevista sobre o “design do corpo humano”, que a musculatura, articulações, tendões, nervos entre outros são o conjunto ideal para atividades físicas.
Lembro-me que com 15 anos de idade estava competindo com Mountain Bikes. Então sofri um acidente no colégio e machuquei o Menisco. Fiquei com a perna imobilizada, por um tempo e impossibilitado de treinar.
Quando voltei, lembro-me de não conseguir empurrar e puxar o pedal da forma correta, com força e velocidade. Então ia pedalar na estrada entre cidades próximas, na faixa para evitar novos tombos. Sem força – empurrava a perna com o braço. Sempre sozinho.
Ainda nessas passagens lembro que, ainda na adolescência, por alguma razão, fui proibido de andar com a bike enquanto minhas notas não melhorassem na escola. Infelizmente havia uma competição marcada, na minha cidade e em pleno domingo de manhã. No dia, saí de manhã cedo para a competição, corri de bike, me sujei todo, venci e voltei voando para casa. Tomei um banho, roupa limpa e machucado, porém fui encontrar meus pais.
Percebemos que não estamos sós.
Percebemos que não existe melhor companhia, para alguns momentos, que nós mesmos.
Sobre Endorfina:
Quando iniciamos uma atividade física geralmente convidamos amigos, com o objetivo de ter pessoas amigas ou conhecidas, ao nosso redor para nos estimular. Inscrevemo-nos numa academia, começamos a caminhar, nadar, lutar, suar com amigos, parentes, esposa, marido, namorada (o). Esse é sempre um bom início, um “start” para a nossa empreitada. Entendo que não é fácil para um sedentário sair de casa, do seu conforto, para se dedicar a malhação. A própria palavra já indica, na sua etimologia, um sofrimento.
Então porque malhar? Porque insistir no treinamento físico?
Porque é tão necessário quanto outros hábitos. E realmente funciona quando se torna um hábito, não uma obrigação. No decorrer da jornada de treinamento vamos perdendo as companhias por problemas de agenda (ou boa vontade), especialmente porque nossos colegas não conseguem enxergar a atividade física como um elemento importante na rotina.
Então devemos insistir na malhação, sozinhos. E quando olhamos para o lado não há ninguém. Apenas você perseverando com seus pesos, nadando, lutando, socando, chutando, correndo.
Esses dias, num lindo comercial da marca Olympikus, eles mostraram pessoas correndo sozinhas à noite, na chuva, de madrugada através das entranhas da cidade grande. Cada um no seu ritmo e...sozinhos e questionaram: Por quê?
Esses dias, num lindo comercial da marca Olympikus, eles mostraram pessoas correndo sozinhas à noite, na chuva, de madrugada através das entranhas da cidade grande. Cada um no seu ritmo e...sozinhos e questionaram: Por quê?
Sim, é difícil encontrar parceria para tudo que fazemos na vida. É difícil conciliar gostos e sabores, imaginem uma atividade física. Por isso, muitas vezes estamos sozinhos na malhação. E não escrevo isso em tom negativo - e sim - para enaltecer o caráter nobre de se persistir no seu objetivo, ainda que sozinho. Isso constrói, amadurece e traz qualidade para o seu desenvolvimento físico. Tive centenas de horas, dias, meses em que treinei sozinho.
Lembro-me que com 15 anos de idade estava competindo com Mountain Bikes. Então sofri um acidente no colégio e machuquei o Menisco. Fiquei com a perna imobilizada, por um tempo e impossibilitado de treinar.
Quando voltei, lembro-me de não conseguir empurrar e puxar o pedal da forma correta, com força e velocidade. Então ia pedalar na estrada entre cidades próximas, na faixa para evitar novos tombos. Sem força – empurrava a perna com o braço. Sempre sozinho.
Naquele ano, me recuperei e consegui ser Campeão Estadual juvenil de Mountain Bike.
Ainda nessas passagens lembro que, ainda na adolescência, por alguma razão, fui proibido de andar com a bike enquanto minhas notas não melhorassem na escola. Infelizmente havia uma competição marcada, na minha cidade e em pleno domingo de manhã. No dia, saí de manhã cedo para a competição, corri de bike, me sujei todo, venci e voltei voando para casa. Tomei um banho, roupa limpa e machucado, porém fui encontrar meus pais.
Não comentei da competição, pois eu “deveria” estar de castigo de pedalar. Na segunda-feira de manhã, para minha surpresa uma matéria no jornal da cidade com uma bela foto minha pedalando. Não tive punição, pois afinal tinha vencido a prova e era algo saudável. Mesmo assim ficou o mal estar.
A vontade de treinar, competir e envolve-se com uma atividade física é sempre solitária. E mais consistente, quando tomada sozinho.
Muitas vezes, tenho que treinar Karatê sozinho. Procuro me observar e corrigir - brigo comigo mesmo - repito centenas de vezes um movimento até chegar próximo do ideal. E isso requer um tempo - solitário - para surgir às questões que irão qualificar o treino e a forma. Os "insights" da psicanálise ou "satoris" do Zen.
O treinamento físico é um desafio individual. A evolução conquistada será única e exclusivamente sua. Os ganhos e perdas físicos e calóricos serão seus. O músculo tem uma memória e cada dia que você treina envia a mensagem de esforço ao seu sistema físico. Força, agilidade, equilíbrio, coordenação, explosão entre outros crescem com o seu treinamento. Seu temperamento é domado, sua vontade testada e sua convicção de estar no Caminho certo é reafirmada a cada treino e dia vencido.
Sou a favor de se levar a atividade física - por vezes - ao extremo. Impor-se limites maiores e mais desafiadores. Não acredito em atividades físicas onde não existe suor e um pouco de dor. Sei que educadores físicos, médicos e fisioterapeutas (mais carolas) poderão discordar da minha opinião. E entendo o ponto deles. Entretanto sempre tive a atividade física com a intenção de fortalecer meu lado fraco, de cultivar o espírito de lutador que é da minha essência.
E dentro disso o suor, dor e privação encontram-se sempre presentes.
Tenho certeza que o avanço da idade e das minhas demandas pessoais e profissionais vão me limitar, no futuro. Tenho certeza que os avanços físicos serão menores, e as dores maiores, porém também tenho certeza que irei persistir nos treinamentos, dentro da condição que for.
Na vida sempre recebemos pequenas mensagens que o Universo nos oferece. A solidão do treinamento físico tem muito a ver com as solidões que temos que suportar na nossa vida. E partes das mesmas nos oferecem a oportunidade de crescermos, de amadurecermos como seres humanos. A solidão é vista de forma negativa por muitos e até assustadora para alguns - todavia pode ter o caráter de reflexão para a produção de coisas positivas no futuro. Afinal, cada um de nós tem uma vida única, como se fosse um livro original, de única edição.
Quando treinamos em noites escuras, em salas vazias, nas madrugadas onde somente os pássaros são a nossa companhia. Quando corremos na rua e começa a chover, ventar, fazer frio a ponto das mãos congelarem, quando percebemos que talvez a melhor coisa fosse desistir e voltar para casa...então olhamos para o lado e não temos ninguém...finalmente...
Percebemos que não estamos sós.
Percebemos que não existe melhor companhia, para alguns momentos, que nós mesmos.
Os Benefícios Físicos da prática do Karatê-dô
Desde cedo, pratico e pesquiso maneiras de potencializar os resultados das atividades físicas que me proponho a treinar. Pratico karatê, natação, corrida, musculação e ciclismo. Já pratiquei boxe, jiu jitsu, escalada entre outras tantas atividades que me pudessem me trazer prazer e desafio (e um pouco de endorfina).
Nenhuma se compara com o Karatê.
E isso não é uma constatação de um praticante apaixonado, é uma conclusão baseada em fatos. Nenhuma atividade consegue envolver tantas musculaturas, tendões, ossos, nervos, variação respiratória, explosão, força, velocidade entre outras. A integração da mente com o corpo ocorre de forma natural e os nossos bloqueios e limitações são rompidos um por um a cada treino. É uma forma de reconstrução da nossa estrutura fisiológica e mental.
Já tive períodos que havia parado de praticar e continuei fazendo outras atividades físicas de forma intensa e quando voltava a treinar karatê sentia dores em musculaturas que ainda não estavam sendo trabalhadas mesmo com o meu crosstraining de esportes.
E como isso acontece?
Para os japoneses a forma de avaliar se alguém é saudável é olhar da cintura para baixo – a sua base e sua forma de caminhar. Já no ocidente temos a tendência a olhar da cintura para cima. Então surgem as diferenças e o ponto onde nasce o fortalecimento do corpo através do karatê: as posturas. Para que as técnicas sejam executadas com rapidez, precisão, força e suavidade, a postura deve ser firme e estável.
No karatê são dezenas de posturas onde as variações de ângulos de pés, joelhos, pernas e todo o conjunto dos membros inferiores são trabalhados desde a faixa iniciante. O próprio andar humano já é um desafio a gravidade onde projetamos nosso peso a frente causando um desequilibro e voltando a nos estabilizar através de um jogo dinâmico de apoios e centro de equilíbrio corporal. Porém como tudo no karatê o objetivo é ir além.O objetivo dessas posturas é tirar o praticante da sua zona de conforto ir além de um simples movimento. O deslocamento de um lutador de karatê é diferenciado, seus pés são raízes que podem a qualquer momento se transformarem em folhas suaves em contato no solo. A postura das pernas pode variar para qualquer direção e ainda manter o praticante estabilizado.
Essa estabilidade tem função direta no combate. Porque não podemos nos preparar fisicamente para uma luta pensando que iremos atacar e defender em linha reta para frente e trás e somente de pé. Temos que estar prontos para eventuais improvisos de posição, possíveis irregularidades no terreno e deslocamentos efetivos sob qualquer ângulo de defesa e ataque. Por isso é exigido tanto da base de um karateka.
Passamos para o quadril que diariamente usamos quase de forma “robótica” – duros e tensos. No Karatê o quadril ganha movimento de rotação (entre outros). E isso fortalece o abdômen, as costelas, as ligações da coxa com o fêmur e os músculos que envolvem as articulações das pernas. Meu professor sempre nos lembra dos quatro fatores que envolvem os movimentos do karatê:
Por exemplo, quando praticamos um kata temos a possibilidade de verificarmos com clareza todos esses conceitos aplicados. O Kata não é simplesmente uma forma de luta contra vários adversários, é também, uma forma de exercício. Tanto que muitos movimentos foram criados com esse intuito, fortalecer o praticante. Uma forma solitária de treino disponível em qualquer lugar e tempo que o indivíduo se dispuser a treinar. E com a correta postura aliada ao conjunto superior do corpo temos a busca da sincronia de movimentos no karatê. Todo praticante de karatê acaba se tornando um estudioso do seu próprio corpo visando atingir a sua alma. Através do suor da prática, das dificuldades motoras, da superação e do desafio constante que o karatê promove, o indivíduo está no caminho de descobrir a si mesmo.
De nada adianta o praticante se movimentar como se estivesse dançando ou estrategicamente jogando com seu corpo se o resultado final de uma técnica não tiver Kime – A energia final com foco. No karatê não existem mistérios ou coisas que não possam ser atingidas, e o kime é a forma mais efetivo de representar o poder físico e mental de um praticante. Em outras atividades físicas os movimentos podem ser similares, porém o Kime é que nos torna diferentes. E no Kime que repousa o grande benefício ao nosso organismo e do nosso fortalecimento físico e mental. É a busca do Kime que nos faz conhecer tantas posturas, tantos movimentos físicos e concentração. É através do Kime que crescemos e amadurecemos como praticantes e seres humanos.
Todo benefício físico do Karatê só pode ser sentido através da prática constante. Um movimento leva a outro e a outro ainda mais difícil. E na evolução do treino que sentimos o nosso fortalecimento e contato com um rico e diferente universo. Porque o Karatê-dô vai além do esporte, onde a competição e respostas são buscadas fora do indivíduo, no Karatê-dô existe um diálogo interno.
Uma vez, quando era faixa colorida e treinando forte após duas horas de treino, fiquei chateado com a quantidade de correções exigidas pelo meu professor. Imaginei “quando” chegaria num estado onde ele não me corrigisse mais ou me perguntei se ele não estaria de “implicância” comigo. Tomei coragem e resolvi questioná-lo (de forma respeitosa) após o treino. Tenho muita sorte do meu mestre – apesar da disciplina que nos impõe – ser uma pessoa aberta a esclarecer as dúvidas e disposto a interagir com seus discípulos. Num passado, não muito remoto, professores nem responderiam as perguntas dos seus alunos (por ignorância) ou diriam:
“- Treine, um dia você irá entender”.
Felizmente esse não é o caso do meu professor, que já teve as mesmas dúvidas e não se omite em responder as questões mais absurdas dos alunos. Fui e perguntei: “- Sensei Malheiros, chegará um dia que eu não serei mais corrigido? Que terei um movimento perfeito?”. Ele de forma paciente me olhou e respondeu: “- a perfeição é algo estudado pela filosofia há séculos. É uma utopia humana algo que sabemos ser inatingível. Porém... temos que tentar certo?”
Nenhuma se compara com o Karatê.
E isso não é uma constatação de um praticante apaixonado, é uma conclusão baseada em fatos. Nenhuma atividade consegue envolver tantas musculaturas, tendões, ossos, nervos, variação respiratória, explosão, força, velocidade entre outras. A integração da mente com o corpo ocorre de forma natural e os nossos bloqueios e limitações são rompidos um por um a cada treino. É uma forma de reconstrução da nossa estrutura fisiológica e mental.
Já tive períodos que havia parado de praticar e continuei fazendo outras atividades físicas de forma intensa e quando voltava a treinar karatê sentia dores em musculaturas que ainda não estavam sendo trabalhadas mesmo com o meu crosstraining de esportes.
E como isso acontece?
Para os japoneses a forma de avaliar se alguém é saudável é olhar da cintura para baixo – a sua base e sua forma de caminhar. Já no ocidente temos a tendência a olhar da cintura para cima. Então surgem as diferenças e o ponto onde nasce o fortalecimento do corpo através do karatê: as posturas. Para que as técnicas sejam executadas com rapidez, precisão, força e suavidade, a postura deve ser firme e estável.
No karatê são dezenas de posturas onde as variações de ângulos de pés, joelhos, pernas e todo o conjunto dos membros inferiores são trabalhados desde a faixa iniciante. O próprio andar humano já é um desafio a gravidade onde projetamos nosso peso a frente causando um desequilibro e voltando a nos estabilizar através de um jogo dinâmico de apoios e centro de equilíbrio corporal. Porém como tudo no karatê o objetivo é ir além.O objetivo dessas posturas é tirar o praticante da sua zona de conforto ir além de um simples movimento. O deslocamento de um lutador de karatê é diferenciado, seus pés são raízes que podem a qualquer momento se transformarem em folhas suaves em contato no solo. A postura das pernas pode variar para qualquer direção e ainda manter o praticante estabilizado.
Essa estabilidade tem função direta no combate. Porque não podemos nos preparar fisicamente para uma luta pensando que iremos atacar e defender em linha reta para frente e trás e somente de pé. Temos que estar prontos para eventuais improvisos de posição, possíveis irregularidades no terreno e deslocamentos efetivos sob qualquer ângulo de defesa e ataque. Por isso é exigido tanto da base de um karateka.
Passamos para o quadril que diariamente usamos quase de forma “robótica” – duros e tensos. No Karatê o quadril ganha movimento de rotação (entre outros). E isso fortalece o abdômen, as costelas, as ligações da coxa com o fêmur e os músculos que envolvem as articulações das pernas. Meu professor sempre nos lembra dos quatro fatores que envolvem os movimentos do karatê:
- Pressão: contato com o solo
- Rotação: o giro que o quadril e outros membros podem fazer durante o movimento
- Vibração: pequenos movimentos de todo o corpo visando maior poder de impacto
- Deslocamento: o movimento dinâmico de avançar/recuar em qualquer direção
Por exemplo, quando praticamos um kata temos a possibilidade de verificarmos com clareza todos esses conceitos aplicados. O Kata não é simplesmente uma forma de luta contra vários adversários, é também, uma forma de exercício. Tanto que muitos movimentos foram criados com esse intuito, fortalecer o praticante. Uma forma solitária de treino disponível em qualquer lugar e tempo que o indivíduo se dispuser a treinar. E com a correta postura aliada ao conjunto superior do corpo temos a busca da sincronia de movimentos no karatê. Todo praticante de karatê acaba se tornando um estudioso do seu próprio corpo visando atingir a sua alma. Através do suor da prática, das dificuldades motoras, da superação e do desafio constante que o karatê promove, o indivíduo está no caminho de descobrir a si mesmo.
E o que buscamos com toda essa movimentação corporal? Uma simples ginástica? Não! Todo o envolvimento da prática é a busca do Kime (foco). O poder de uma defesa ou ataque está no Kime.
De nada adianta o praticante se movimentar como se estivesse dançando ou estrategicamente jogando com seu corpo se o resultado final de uma técnica não tiver Kime – A energia final com foco. No karatê não existem mistérios ou coisas que não possam ser atingidas, e o kime é a forma mais efetivo de representar o poder físico e mental de um praticante. Em outras atividades físicas os movimentos podem ser similares, porém o Kime é que nos torna diferentes. E no Kime que repousa o grande benefício ao nosso organismo e do nosso fortalecimento físico e mental. É a busca do Kime que nos faz conhecer tantas posturas, tantos movimentos físicos e concentração. É através do Kime que crescemos e amadurecemos como praticantes e seres humanos.
Todo benefício físico do Karatê só pode ser sentido através da prática constante. Um movimento leva a outro e a outro ainda mais difícil. E na evolução do treino que sentimos o nosso fortalecimento e contato com um rico e diferente universo. Porque o Karatê-dô vai além do esporte, onde a competição e respostas são buscadas fora do indivíduo, no Karatê-dô existe um diálogo interno.
Uma vez, quando era faixa colorida e treinando forte após duas horas de treino, fiquei chateado com a quantidade de correções exigidas pelo meu professor. Imaginei “quando” chegaria num estado onde ele não me corrigisse mais ou me perguntei se ele não estaria de “implicância” comigo. Tomei coragem e resolvi questioná-lo (de forma respeitosa) após o treino. Tenho muita sorte do meu mestre – apesar da disciplina que nos impõe – ser uma pessoa aberta a esclarecer as dúvidas e disposto a interagir com seus discípulos. Num passado, não muito remoto, professores nem responderiam as perguntas dos seus alunos (por ignorância) ou diriam:
“- Treine, um dia você irá entender”.
Felizmente esse não é o caso do meu professor, que já teve as mesmas dúvidas e não se omite em responder as questões mais absurdas dos alunos. Fui e perguntei: “- Sensei Malheiros, chegará um dia que eu não serei mais corrigido? Que terei um movimento perfeito?”. Ele de forma paciente me olhou e respondeu: “- a perfeição é algo estudado pela filosofia há séculos. É uma utopia humana algo que sabemos ser inatingível. Porém... temos que tentar certo?”
É o que nos resta. Tentar e nos beneficiar dessas tentativas, erros e acertos dentro do Karatê-dô.
Oss
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
Karatê-dô for Kids
Karatê-dô for Kids
Sou instrutor de karatê-dô para crianças e adultos. Sempre que preparo uma aula para as crianças, procuro trabalhar aspectos lúdicos, de exercícios, brincadeiras e técnicas onde serão envolvidos musculaturas, equilíbrio, força, explosão, percepção espacial entre outros. Tenho um enorme prazer em me envolver com as crianças através do karatê, que é um poderosa ferramenta de comunicação com as crianças.
Me impressiono com o avanço dos pequenos durante os meses. Avanços físicos, mentais e psicológicos. Uma criança é uma esponja para absorver conhecimento, com potencial ilimitado. Alguns tem mais facilidade de praticar o karatê e enfrentar seus desafios e outros passam por dificuldades.
A minha proposta inicial com as crianças é desenvolver a auto-confiança, produzir nelas a certeza que se elas se "esforçarem" com disciplina podem conseguir tudo na vida.
Ajuda pode existir, porém sem esforço pessoal das mesmas, não haverá retorno na prática, ou na vida.
Procuro não me apegar a alunos, o que com as crianças é uma tarefa um tanto difícil. Já tive alunos que por uma razão ou outra pararam de treinar. Geralmente por falta de vontade dos pais em leva-los ou de tira-los do mundinho de proteção que se cria ao redor de algumas crianças. Sinto a perda, pois as aulas são preparadas para todos, ainda assim, visando trabalhar a dificuldade de um pequeno indivíduo sem constrange-lo perante os demais. Me sinto responsável por eles e não fujo dessa tarefa, pois cabe ao professor de karatê "auxiliar " na educação do pequeno, então sinto quando um trabalho se interrompe com aquele potencial em formação da uma criança.
Realmente o karatê não é para as massas, é para poucos.
Ainda assim sou feliz porque tenho aprendido muito com os pequenos, enxergo o crescimento pessoal e retorno fora do dojo em aspectos que dificilmente poderíamos trabalhar em outras atividades. É o que chamamos de "karatê terapia" onde o físico e a mente são trabalhados em conjunto, visando o fortalecimento do aluno.
Uma dessas pequenas surpresas foi com uma aluna de 5 anos. Ela tinha problemas respiratórios (asma) e está com a personalidade em formação. Teve uma imensa dificuldades nas primeiras aulas, pois mal conseguia respirar, um linda e frágil menina entrando num universo novo onde seria exigida justamente na sua maior fraqueza. Um enfrentamento difícil para um adulto, imagine para uma criança e ainda mais menina (pois poderia optar por simplesmente brincar de bonecas). Lá estava ela, a pequena guerreira.
A cada aula era uma conquista. A cada aula procurava desenvolver nela sua energia interior (Ki) para fortalece-la e aumentar sua independência da asma. Por vezes, pensava que ela iria desistir, algumas vezes senti que ela iria chorar por algum acidente ou por não poder participar de todas as brincadeiras e atividades. Se eu pudesse, choraria junto. Porém o choro não é uma opção para lutadores.
Pois bem, após alguns árduos meses ela superou o problema respiratório, corria melhor e mais rápido que os outros e executava as técnicas com firmeza e concentração. Certa vez, fui fazer um frente a frente com ela pois faltava um aluno. Ambos em kamae, eu no alto dos meus 1,80 m com 93 kg e ela com os seus 4 para 5 anos, pequena altura e peso. Ela parou na minha frente, em postura de kamae, olhou nos meus olhos e não tirou os olhos de mim, nem piscava. Não estava com medo, tampouco demonstrava nenhum esboço de fraqueza. Me atacou como deveria, no tempo certo, com kime e vontade de um adulto. Mostrou que era capaz, não para mim porém para si mesma. Estava pronta.
Após um tempo ela fez exame de faixa onde foi excelente. Passou com 5 anos para faixa amarela, a faixa da cor do ouro. No primeiro dia de aula após o exame, ela chegou no dojo e pediu para fazer o kata Heian Nidan (o kata de faixa amarela para laranja). Eu disse para ela que era cedo, pois não havia ensinado o mesmo para ela. Ela insistiu. Fiquei intrigado e conversei com o pai dela, também karateka e também responsável por tanto sucesso com a menina karateka. Ele disse-me que após o exame ela começou a treinar sozinha através de desenhos que havia visto na sua apostila e imagens de livros.
Bom, então pedi para ela me demonstrar o kata até onde ela sabia. Eis que aquela antes frágil figura começou o kata com maestria, cumprimentando e anunciando o kata e executando movimento por movimento chegando ao final sem pestanejar, com alguns pequenos erros, porém no conjunto de forma correta. Supresa total!
Lembrei do meu mestre quando me falou a um bom tempo atrás, eu estava em dúvida sobre dar aulas ou não, então ele me disse:
" - as vezes a gente escolhe o Caminho*, as vezes é o Caminho que nos escolhe."
Pois bem, o Caminho havia escolhido mais uma pessoa, minha menor - e anteriormente - mais frágil aluna. Aprendemos todos a cada aula, com a certeza que o karatê vai além do dojo, vai além da técnica e vai além das nossas fraquezas físicas ou psíquicas. E a cada criança que trabalho, em cada novo pequeno aluno se renova a felicidade de estar fazendo a coisa certa.
Oss.
.
* Sobre Caminho, temos o entendimento que este está baseado no Budô. Saiba mais no link: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bud%C3%B4
Sou instrutor de karatê-dô para crianças e adultos. Sempre que preparo uma aula para as crianças, procuro trabalhar aspectos lúdicos, de exercícios, brincadeiras e técnicas onde serão envolvidos musculaturas, equilíbrio, força, explosão, percepção espacial entre outros. Tenho um enorme prazer em me envolver com as crianças através do karatê, que é um poderosa ferramenta de comunicação com as crianças.
Me impressiono com o avanço dos pequenos durante os meses. Avanços físicos, mentais e psicológicos. Uma criança é uma esponja para absorver conhecimento, com potencial ilimitado. Alguns tem mais facilidade de praticar o karatê e enfrentar seus desafios e outros passam por dificuldades.
A minha proposta inicial com as crianças é desenvolver a auto-confiança, produzir nelas a certeza que se elas se "esforçarem" com disciplina podem conseguir tudo na vida.
Ajuda pode existir, porém sem esforço pessoal das mesmas, não haverá retorno na prática, ou na vida.
Procuro não me apegar a alunos, o que com as crianças é uma tarefa um tanto difícil. Já tive alunos que por uma razão ou outra pararam de treinar. Geralmente por falta de vontade dos pais em leva-los ou de tira-los do mundinho de proteção que se cria ao redor de algumas crianças. Sinto a perda, pois as aulas são preparadas para todos, ainda assim, visando trabalhar a dificuldade de um pequeno indivíduo sem constrange-lo perante os demais. Me sinto responsável por eles e não fujo dessa tarefa, pois cabe ao professor de karatê "auxiliar " na educação do pequeno, então sinto quando um trabalho se interrompe com aquele potencial em formação da uma criança.
Realmente o karatê não é para as massas, é para poucos.
Ainda assim sou feliz porque tenho aprendido muito com os pequenos, enxergo o crescimento pessoal e retorno fora do dojo em aspectos que dificilmente poderíamos trabalhar em outras atividades. É o que chamamos de "karatê terapia" onde o físico e a mente são trabalhados em conjunto, visando o fortalecimento do aluno.
Uma dessas pequenas surpresas foi com uma aluna de 5 anos. Ela tinha problemas respiratórios (asma) e está com a personalidade em formação. Teve uma imensa dificuldades nas primeiras aulas, pois mal conseguia respirar, um linda e frágil menina entrando num universo novo onde seria exigida justamente na sua maior fraqueza. Um enfrentamento difícil para um adulto, imagine para uma criança e ainda mais menina (pois poderia optar por simplesmente brincar de bonecas). Lá estava ela, a pequena guerreira.
A cada aula era uma conquista. A cada aula procurava desenvolver nela sua energia interior (Ki) para fortalece-la e aumentar sua independência da asma. Por vezes, pensava que ela iria desistir, algumas vezes senti que ela iria chorar por algum acidente ou por não poder participar de todas as brincadeiras e atividades. Se eu pudesse, choraria junto. Porém o choro não é uma opção para lutadores.
Pois bem, após alguns árduos meses ela superou o problema respiratório, corria melhor e mais rápido que os outros e executava as técnicas com firmeza e concentração. Certa vez, fui fazer um frente a frente com ela pois faltava um aluno. Ambos em kamae, eu no alto dos meus 1,80 m com 93 kg e ela com os seus 4 para 5 anos, pequena altura e peso. Ela parou na minha frente, em postura de kamae, olhou nos meus olhos e não tirou os olhos de mim, nem piscava. Não estava com medo, tampouco demonstrava nenhum esboço de fraqueza. Me atacou como deveria, no tempo certo, com kime e vontade de um adulto. Mostrou que era capaz, não para mim porém para si mesma. Estava pronta.
Após um tempo ela fez exame de faixa onde foi excelente. Passou com 5 anos para faixa amarela, a faixa da cor do ouro. No primeiro dia de aula após o exame, ela chegou no dojo e pediu para fazer o kata Heian Nidan (o kata de faixa amarela para laranja). Eu disse para ela que era cedo, pois não havia ensinado o mesmo para ela. Ela insistiu. Fiquei intrigado e conversei com o pai dela, também karateka e também responsável por tanto sucesso com a menina karateka. Ele disse-me que após o exame ela começou a treinar sozinha através de desenhos que havia visto na sua apostila e imagens de livros.
Bom, então pedi para ela me demonstrar o kata até onde ela sabia. Eis que aquela antes frágil figura começou o kata com maestria, cumprimentando e anunciando o kata e executando movimento por movimento chegando ao final sem pestanejar, com alguns pequenos erros, porém no conjunto de forma correta. Supresa total!
Lembrei do meu mestre quando me falou a um bom tempo atrás, eu estava em dúvida sobre dar aulas ou não, então ele me disse:
" - as vezes a gente escolhe o Caminho*, as vezes é o Caminho que nos escolhe."
Pois bem, o Caminho havia escolhido mais uma pessoa, minha menor - e anteriormente - mais frágil aluna. Aprendemos todos a cada aula, com a certeza que o karatê vai além do dojo, vai além da técnica e vai além das nossas fraquezas físicas ou psíquicas. E a cada criança que trabalho, em cada novo pequeno aluno se renova a felicidade de estar fazendo a coisa certa.
Oss.
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* Sobre Caminho, temos o entendimento que este está baseado no Budô. Saiba mais no link: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bud%C3%B4
Katas: Dignidade e Coerência
Katas: Dignidade e Coerência
Atualmente estou treinando diariamente os katas heians e os katas Empi e Kanku Dai. Terei que executa-los em janeiro, no módulo VIII do Curso de Instrutores da FSRKT. Estou tendo um enorme prazer em treina-los. Inicio o treino com os Heians e sinto que cada vez entendo mais e executo "um pouco" melhor os primeiros katas do meu estilo. Na faixa preta é que se inicia o treino, dizem. Realmente. Agora tenho chance de usufruir das ferramentas para identificar e melhorar minha forma, e sinto prazer nisso ainda que esteja longe do ideal.
Meses atrás eu sofri um acidente e estava machucado. Sem condições de treinar, dar aulas e muito menos executar um kata com decência. Ainda assim tive que me manter fazendo todas essas coisas, tenho responsabilidade com os meus alunos com o Caminho (Budô) que me escolheu. A dor era muita, nas costas, nas pernas, braços e no espírito. Tive que executar o Jion - um kata que gosto - porém não o fiz com propriedade. Levei mijada do professor no curso que participava, tentei justificar, porém não adiantou. Não existem desculpas para um guerreiro.
Hoje, já em forma e treinando, lembrei do meu professor (Sensei Malheiros) me corrigindo, em outro momento. Era uma correção de professor para aluno, leal, correta e fácil de ouvir e se fazer entender. Falava que o kata deve ser feito com “dignidade”. Sim, e o que significa isso? Pode significar muitas coisas, entre elas que temos que atentar aos detalhes da postura, de lutar. Não é uma simples coreografia e sim um combate real contra muitos adversários. E como lutador temos que estar com o espírito preparado para esse combate, com a forma limpa e coluna reta. Mãos fechadas quando devem estar fechadas e abertas de forma correta quando é necessário. As bases devem estar firmes, equilibradas e o kime deve ser colocado no momento certo. Não podemos executar um kata (pelo menos na frente de outros) com dores musculares, braço quebrado, sem controlar a respiração. Podemos evitar isso, pois se o quadro não é favorável, o kata também não será favorável a quem o executa. A tal “dignidade”.
Isso se aplica diretamente na vida. Quando vamos para uma entrevista de emprego (ou trabalho, um conceito mais moderno) vamos nos apresentar em farrapos? ou vamos procurar mostrar o nosso melhor, com dignidade e vontade? quando queremos vender uma idéia para alguém temos que mostrar o melhor da nossa idéia. Ou ainda em relacionamento, em momento de crise temos que manter a dignidade e respeito - fora disso, não vale a pena continuar uma conversa, mesmo com um ente querido.
E a “coerência”? Lembro que na minha adolescência não era conhecido por ser coerente. Era tudo em excesso ou em falta demais. Graças ao tempo, maturidade e outras ferramentas (terapia, karatê e espiritismo) melhorei. Me tornei um pouco mais coerente. E nos katas isso aparece muito, a tal coerência. Durante a execução os movimentos devem ser naturais. Quase não existem movimentos que possam causar uma confusão estética ou física, a confusão está nos nossos limites mentais e físicos. Na nossa falta de habilidade em executar os movimentos (avançados) por querer fazer já na primeira vez de forma perfeita. “ A perfeição é uma utopia” já diria meu mestre e complementava: “ ainda assim temos que persegui-la”. É o nosso Caminho.
Hoje consigo identificar quando estou fazendo algo errado num kata. Geralmente é um movimento que está fora de contexto ou mal executado. Então procuro na bibliografia ou pergunto a alguém mais experiente. Ou busco em vídeos de mestres que estão executando tal kata, sempre é interessante ver outras execuções. Cada biotipo tem uma forma de executar, todos com os mesmos movimentos, porém com detalhamentos técnicos diferentes.
Dignidade e Coerência são atributos que podemos almejar. Não é fácil para mim e não é fácil para ninguém. Ainda assim podemos almejar e conseguir. No Karatê-dô e na Vida.
Oss.
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Pequenos detalhes, grandes consequências.
Vim de férias para descansar. Mudar a rotina e o ambiente. Ver pessoas diferentes e outras paisagens. Porém nem tudo na minha rotina é diferente. Por exemplo, a prática do karatê continua, sempre. Isso faz parte da minha rotina diária, como acordar, comer, beber. Espero que seja sempre assim, gostar da prática - além de tudo que vem acompanhado dela.
Na praia, em outra cidade tenho menos espaço para treinar. Então me inscrevo numa academia próxima da minha casa. No caso, uma excelente academia familiar com modernos aparelhos de musculação, sala de ginástica ampla e com muitos espelhos laterais e frontais. Porém sem tradição em Artes Marciais ou esportes de combate. Seria eu, treinando karatê sozinho naquela sala, um peixe fora d'água? sim e não.
Em academias todos estão com a mesma proposta. Cultivar uma boa saúde através do movimento. E isso acontece com o karatê, com a musculação e com a ginástica. Por isso, entre alguns olhos leigos e curiosos para direção da sala de ginástica, sigo praticando meus movimentos (kihon), kata e entradas de kumite.
Os leigos mantém uma distância respeitosa e eu procuro frequentar um horário onde a academia está mais vazia. Me sinto muito bem lá. Sem o olhar de outros lutadores e colegas praticantes, sem alunos para ensinar (no caso o aluno sou eu, de mim mesmo).
Durante o treino, executo várias vezes todos os heians para aquecer. Lento e com contagem, depois com velocidade e kime. Respirando. Relaxando, contraíndo e voltando a relaxar. Um kamae sem kamae. Então parto para os katas avançados. Os tais "katas de faixa preta" como diria uma pequena aluna minha chamada Carol. Repito os procedimentos dos katas Heians e começo a me sentir satisfeito com a execução. Quando de repente o "kata" me chama a atenção: estou errado! Como assim? errado? estou errando? onde?
E começo a contagem dos Kyodos (movimentos). E a contagem está errada! Ou estou errando na contagem ou no número de movimentos. E estava errando na contagem. Acertar a contagem me faz ter uma consciência maior de cada movimento e da sua singular importância. Repito do início e começo a acertar os detalhes.
Então outro insight (ou Satori, em japonês): dentro dos katas avançados, por mais avançado que você se considere, lá estão os movimentos básicos dos Heians e do Kihon. Lá estão bem marcados os gedan-barai, age-uke, shuto-uke, maegeri entre outros. Esses detalhes nos katas avançados podem significar muitas coisas. Meu mestre, Malheiros Sensei fala sobre a "literatura" contida dentro dos katas. Um forma dos grandes mestres se comunicarem conosco através dos tempos.
Acredito que no karatê somos sempre iniciantes. Somos sempre dependentes dos fundamentos básicos na prática. E na vida também. No dojo do Alfredo Sensei, meu outro mestre, existe um quadro que diz: "- mantenha o espírito de principiante."
Quando somos avançados fora do dojo, mais maduros e ricos, bem sucedidos profissionalmente e tal temos uma tendência a esquecer o que passamos e de onde viemos. Temos uma leve tendência a esquecer os detalhes como cortesia, respeito, educação e amor verdadeiro ao próximo. Só que na vida não somos levados a lembrar sempre disso - principalmente quando achamos que estamos no topo.
Quando acontece da vida nos chamar a atenção, pode ser de forma trágica. Nos katas isso acontece de forma natural. E temos que valorizar esses detalhes que fazem parte da nossa formação como karateka e como seres sociais.
Como diria Malheiros Sensei (meu professor): "- Pequenos detalhes, grandes consequências".
Oss
Na praia, em outra cidade tenho menos espaço para treinar. Então me inscrevo numa academia próxima da minha casa. No caso, uma excelente academia familiar com modernos aparelhos de musculação, sala de ginástica ampla e com muitos espelhos laterais e frontais. Porém sem tradição em Artes Marciais ou esportes de combate. Seria eu, treinando karatê sozinho naquela sala, um peixe fora d'água? sim e não.
Em academias todos estão com a mesma proposta. Cultivar uma boa saúde através do movimento. E isso acontece com o karatê, com a musculação e com a ginástica. Por isso, entre alguns olhos leigos e curiosos para direção da sala de ginástica, sigo praticando meus movimentos (kihon), kata e entradas de kumite.
Os leigos mantém uma distância respeitosa e eu procuro frequentar um horário onde a academia está mais vazia. Me sinto muito bem lá. Sem o olhar de outros lutadores e colegas praticantes, sem alunos para ensinar (no caso o aluno sou eu, de mim mesmo).
Durante o treino, executo várias vezes todos os heians para aquecer. Lento e com contagem, depois com velocidade e kime. Respirando. Relaxando, contraíndo e voltando a relaxar. Um kamae sem kamae. Então parto para os katas avançados. Os tais "katas de faixa preta" como diria uma pequena aluna minha chamada Carol. Repito os procedimentos dos katas Heians e começo a me sentir satisfeito com a execução. Quando de repente o "kata" me chama a atenção: estou errado! Como assim? errado? estou errando? onde?
E começo a contagem dos Kyodos (movimentos). E a contagem está errada! Ou estou errando na contagem ou no número de movimentos. E estava errando na contagem. Acertar a contagem me faz ter uma consciência maior de cada movimento e da sua singular importância. Repito do início e começo a acertar os detalhes.
Então outro insight (ou Satori, em japonês): dentro dos katas avançados, por mais avançado que você se considere, lá estão os movimentos básicos dos Heians e do Kihon. Lá estão bem marcados os gedan-barai, age-uke, shuto-uke, maegeri entre outros. Esses detalhes nos katas avançados podem significar muitas coisas. Meu mestre, Malheiros Sensei fala sobre a "literatura" contida dentro dos katas. Um forma dos grandes mestres se comunicarem conosco através dos tempos.
Acredito que no karatê somos sempre iniciantes. Somos sempre dependentes dos fundamentos básicos na prática. E na vida também. No dojo do Alfredo Sensei, meu outro mestre, existe um quadro que diz: "- mantenha o espírito de principiante."
Quando somos avançados fora do dojo, mais maduros e ricos, bem sucedidos profissionalmente e tal temos uma tendência a esquecer o que passamos e de onde viemos. Temos uma leve tendência a esquecer os detalhes como cortesia, respeito, educação e amor verdadeiro ao próximo. Só que na vida não somos levados a lembrar sempre disso - principalmente quando achamos que estamos no topo.
Quando acontece da vida nos chamar a atenção, pode ser de forma trágica. Nos katas isso acontece de forma natural. E temos que valorizar esses detalhes que fazem parte da nossa formação como karateka e como seres sociais.
Como diria Malheiros Sensei (meu professor): "- Pequenos detalhes, grandes consequências".
Oss
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